Estórias de Ferreira

Chamo-me Rui Antunes, sou de Ferreira do Zêzere e gosto de estórias... reais ou imaginárias, estórias da vida, de sucessos ou insucessos, prometo partilhar as minhas, espero pelas vossas...

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Localização: Odivelas

31.3.06

Filme em Dornes




Publico aqui um texto enviado hoje pelo meu irmão Ricardo Antunes, a foto é do Pedro lopes



Galvão Teles inicia rodagens de novo filme

Dornes, em Ferreira do Zêzere, é uma pequena aldeia perdida no tempo. A vida passa devagar junto dos 22 habitantes da localidade e a calma é de tal ordem que se consegue ouvir o som da água do rio Zêzere a bater nas pequenas embarcações, sempre que o vento sopra mais forte. Foi este cenário idílico que apaixonou Luís Galvão Teles e o levou a escolher esta aldeia para a acção central do seu mais recente filme, 'Dot.com', que hoje começa a rodar.

Mas a escolha do cenário não foi fácil. O realizador andou quase dois anos a percorrer aldeias do país, em busca da sua Águas Altas - localidade onde tudo se vai passar. Conheceu Dornes em Janeiro último e, como ele próprio contou ao JN, "não precisei de ver mais nada".

Desde então, tem passado vários dias na localidade, onde conheceu inúmeros moradores, cujas características vai tentar passar para a tela, através dos actores que escolheu para o filme - João Tempera, Marco Delgado, Maria Adanez e Isabel Abreu, entre outros. A população local, que acolheu de braços abertos os actores e a equipa de produção, entra em várias cenas.Nos vários recantos da aldeia, nada habituada a animações deste tipo, o filme é o assunto mais falado.

'Dot.com' é uma comédia, cujo tema central são as novas tecnologias de informação. Um engenheiro cria, ali, um site da aldeia, Águas Altas, entrando em confronto com uma multinacional que tem o mesmo nome. Através de várias cenas, recheadas de humor, o filme vai explorando esta guerra entre David e Golias.

Galvão Teles experimenta uma particularidade inédita nunca antes um filme seu foi rodado tanto tempo num só cenário. A acção vai decorrer praticamente toda na aldeia - a equipa filmará ali nas próximas sete semanas, com excepção de uma cena em Madrid e outra em Tomar.

O filme tem orçamento de cerca de dois milhões de euros, segundo explicou François Gonot, produtor executivo. Mas, produzido pela portuguesa Fado Filmes, terá co-produção de outras quatro empresas, de Espanha, Irlanda, Reino Unido e Brasil.

Não muito expectante em relação à reacção do público português, é no estrangeiro que o realizador centra a sua aposta. Pela primeira vez também, tem uma porta aberta no mercado inglês, através do trabalho de co-produção da Ipso Facto. Helena Silva

30.3.06

A Rádio Sarrafo


Já conheço à largos anos o Prof. Lopes Carraço, homem que apesar de ter as suas origens na zona do Pêgo, Abrantes, acabou por se fixar em Ferreira do Zêzere onde têm estado sempre mais ou menos activo ligado a vários organismos do concelho.

Vi pela primeira vez o professor Carraço na escola primária de Paio Mendes, andaria eu aí na 3ª ou 4ª classe quando uma visita inesperada invadiu a sala de aula e lá entrou o professor, com umas caixas que se transformaram numa máquina de projecção e diga-se que deverá ter sido a minha estreia a ver uma curta metragem de cinema.

Voltei a ter contacto com ele mais tarde, quando fui para a rádio, ele também amante do jornalismo também dava ao “lamiré” ao microfone, foi talvez nessa altura que ouvi pela primeira vez da sua boca o termo “Rádio Sarrafo”, termo que ouvi inúmeras vezes quase sempre que falava com ele sobre a rádio.

A origem do termo eu não sei qual é mas tenho três teorias :

A primeira é que foi devido à rádio na altura funcionar quase dentro da serração do Sr. Azevedo, é verdade, funcionava no sotão da casa dele. A porta de entrada para o estúdio, cujo acesso era feito por uma escada exterior, era virada justamente para a serração, claro que era preciso ter o cuidado de a fechar porque senão lá entrava pelo microfone o som das serras que estavam a desfiar a madeira, o roncar do tractor que transportava os pesados madeiros de pinho ou a sirene que marcava o inicio ou o fim dos trabalhos e em dias de vento era muito natural levar com a serradura em cima quando se subia ou descia a escada.

A segunda teoria é que as instalações da rádio eram todas forradas a madeira, o que dava um aspecto muito aconchegante, talvez tenha sido o facto de ter o estúdio forrado a “sarrafos” que deu origem à dita alcunha.

A minha última teoria é que foi por causa da música que a malta passava, estávamos em plenos anos 80 onde a magia do discosound era uma realidade e talvez pelas características da música e do ritmo, os mais velhos terão começado a comparar esses novos sons ao som que tem uma serração em funcionamento, esta talvez seja outra das origens do nome “Rádio Sarrafo”.

22.3.06

Águas Belas


Poema dedicado a Águas Belas aquando da comemoração dos seus 800 anos.

Anos
muitos anos,
oitocentas são as velas!
Como é bom ver-te
assim jovem,
assim linda,
Águas Belas.
Tens a Senhora da Graça
a abençoar teus caminhos,
a encher de pregaminhos
aquele que por ti passa;
tens fontes cristalinas
muita verdura nos prados,
filhos,
muitos filhos,
a quererem grandes cuidados!
Outeiros,
a Varela,
Vale Fundeiro,
a Portela,
Bela Vista,
Besteiras,
Venda da Serra,
a Camarinha...
Ai terra,
ai terra minha!
Foi em ti
que eu nasci
num lindo dia de verão.

Depois...
fui por lá
por muito longe!
Vi cidades
muitos mares
multidões
gentes diferentes.

Ai minha terra!
Ai meu irmão!

Vivam, eles:
ricos,
nobres.
Mas deixem-me aqui
onde está meu coração.

Sá Flores,
in Lendas Contos e Poesia de Ferreira do Zêzere

Tecnologia e Ruralidade

Como prometi contar algumas das minhas estórias da minha viagem à Alemanha, vou começar por explicar os motivos da minha ida.

A empresa onde trabalho, ligada à área tecnológica, desenvolve software e hardware e temos um conjunto de fornecedores de componentes que utilizamos, sendo um deles da zona de Hannover. É uma empresa especialista em soluções de RFID que traduzido pode-se explicar como Sistemas de Identificação por Rádio Frequência, é a tecnologia usada por exemplo nos comandos das chaves dos automóveis para o fecho remoto, tendo muitas outras aplicações como por exemplo sistemas de acesso, sistemas de autorização, etc... Este nosso fornecedor aproveita todos os anos a proximidade da feira para promover um encontro dos vários clientes/distribuidores de todo o mundo para apresentação de novidades. E este ano, estavamos nós de Portugal, um sueco, dois belgas, um inglês, um sul africano, um suiço, etc...

A empresa situa-se a cerca de 80 kms de Hannover, fica nos arredores de uma pequena cidade chamada Stadthagen, uma cidade histórica, muito bonita, situada numa zona rural. A empresa, que é um distribuidor mundial de tecnologia de ponta, tem uma estrutura pequena, totalmente integrada no meio pequeno (e rural) onde se situa a sua sede.

Desculpem-me a ousadia mas achando eu que seria oportuno, aproveito para transcrever um post do Dr. Eduardo Mendes, deputado da Assembleia Municipal de Ferreira do Zêzere, no blog do Bruno, http://alguresporferreira.blogspot.com/ que me deixou a pensar e sobretudo preocupado, porque sendo eu de Ferreira do Zêzere, também ela uma pequena vila rural, próxima de cidades como Tomar ou até Lisboa.

Tomo a liberdade de publicar aqui um excerto do texto:

“Já vão passados alguns anos sobre o que estudei sobre teorias de localização das actividades económicas:Recordo-me que na optimização da localização entravam como principais factores os custos a que era possivel obter matéria-prima, recursos humanos, instalações, financiamento, e colocação no mercado dos prudutos.Dizem-me que agora também se explicam por razões psicológicas, sociais e politicas...

Destas últimas não sei.
Dos factores que enunciei primeiro só veria FZZ como um mini Sillicon Valley se conseguisse arrastar ou desenvolver localmente "massa cinzenta" que constituisse uma mais valia em "recursos humanos" ou "Know-how".

Ora para convencer uma universidade, numa parceria, uma vez que eles têm a massa cinzenta, teria de ser pondo os €€€ ...
Os investigadores ganham mais que o Presidente da Câmara, os equipamentos de ponta nem sei quanto custam...
Portanto como sonho, não estaria mal. Como investimento não sei qual o banco que se atreveria a financiar...”

Ao ler isto, sinto que por vezes existe uma dificuldade muito grande por parte de quem nos governa em potenciar as mais valias, por exemplo a centralidade nacional, a relativa proximidade de vias importantes de ligação a Espanha como a A23, a existência de um politécnico em Tomar a 15 minutos da nova Zona Industrial com cursos na área tecnológica, pode muito bem providenciar a tal “massa cinzenta” e “know how”, já para não falar nas questões psicológicas e sociais, eu por exemplo estaria na disposição de optar por trabalhar numa empresa em Ferreira do Zêzere, de certeza que teria outra qualidade de vida!

16.3.06

CeBIT 2006...Voltei



Voltei :)
Estava um frio dos diabos em Hannover, quando cheguei a temperatura minima era de -9 e a máxima de 3 graus, mas de resto tudo na maior até porque todos os ambientes são climatizados pelo que só era mesmo complicado atravessar a rua.
Agora vou desfazer a mala... depois conto como foi !

12.3.06

CeBIT 2006


Vou estar fora esta semana, vou em trabalho à Alemanha visitar a maior feira de informática do mundo, a CeBIT 2006. Espero trazer algumas boas estórias para contar.
A última vez que estive naquele espaço em Hannover foi em 2000 quando fui visitar a Expo'2000 que sucedeu a nossa Expo'98, foi só um dia mas ainda deu para fazer uns directos para a rádio, foi muito interessante, só espero não passar tanto frio como da última vez !

11.3.06

A preparatória


Estava a desfolhar o Despertar do Zêzere desta quinzena, quando vi um artigo a anunciar um concurso de ideias para um logotipo que identifique a escola E/B 2/3 Pedro Ferreiro... uma escola onde eu fiz o preparatória e a secundária, até ao 9º ano, porque antigamente era só até aí que a escola suportava, depois, para quem continuava “agarrado aos livros” era preciso ir para Tomar.

Passei bons tempos nesta escola. Já agora, se alguém que está a ler isto está interessado em participar no dito concurso do logotipo, vou deixar aqui umas dicas que talvez sirvam de inspiração... ou se calhar é melhor não !

Quando acabei a 4ª classe lá fui eu a Ferreira matricular-me no ciclo, é claro que fui com os meus pais, preenchida a papelada cometi a minha primeira gafe, escolhi por imposição familiar, a disciplina de françês, grande erro de que me arrependi logo no fim da 2ª aula (a primeira foi a apresentação, só estivemos lá 10 minutos). O meu pai lá achou que tinhamos de aprender o françês porque no verão a malta que vinha lá de fora falava francês, portanto seria útil quanto mais não seja para perceber as palavras que enfiavam no meio das frases, meias faladas em português. Lembro-me do pânico de uma prova oral que fiz uma vez para tentar não chumbar à disciplina, a primeira pergunta foi, “conjuga o verbo avoir ?” e eu, muito convicto avancei... “Je suis, tu es, etc…" claro que quando acabei de conjugar a frase seguinte que ouvi da professora foi : “Podes sair”, sem perceber muito bem porquê lá saí, foi quando o “francês”, um colega que era barra naquilo porque era filho de emigrantes, me disse, “epá, mà tu enganaste no verbo”, escusado será dizer que foi para esquecer.

Os intervalos eram por norma muito preenchidos, havia actividades para todos os gostos, normalmente ia com a malta da turma, rapaziada porreira, para trás do refeitório ou do pavilhão jogar à moeda, o jogo era mais ou menos assim, cada um tinha uma moeda, normalmente era de 2$50 (que eram as que davam nos matrecos do mouquito) e fazia-se assim, cada um atirava a moeda à parede de forma a que no ricochete esta ficasse a menos de um palmo de outra qualquer, se fosse o caso quem tinha atirado a moeda ficava com todas as que estivessem no raio. Normalmente as moedas não ficavam em bom estado, era preciso ter algum cuidado porque senão não eram aceites em sitios tão importantes como no buffete ou nas senhas do almoço o que podia representar um dia um bocado mal passado. Era divertido, muito embora houvesse gajos com uns dedos compridos como ò caraças! Nunca tive grade sorte com esse jogo.

O mouquito era a “casa de jogos” mais acessível para gastar as moeditas capturadas, quando havia “furo” lá íamos nós, entrávamos pela tasca e percorríamos um labirinto até chegar à adega, onde estavam duas mesas de matrecos prontinhas para mais uma jogatina, era viciante, mas como as moedas não eram muitas normalmente o vicio acabava-se depressa. foram jogadas muitas bolas naquela adega do "mouquito" ainda recordo as enormes pipas que lá estavam que serviam para abastecer o jarros de vinho que iam para a tasca, o dia proibido para estas jogatinas era a 2ª feira, dia de mercado o que significava uma perigosa afluência de pessoas conhecidas à vila.

Outro dos jogos que “estava a dar” quando entrei para lá foi o peão, lá pedi ao meu pai para me comprar um peão e uma baraça, e fui exprimentar, parecia interessante no inicio mas cedo percebi que com aquele pião não me safava, não tinha uma “ferreta” comprida e bicuda por isso ficava sempre enterrado na terra dentro da roda, a levar “porrada” por tudo quanto é sitio até ser atirado para fora. Depois de uma operação de “tunning” o peão lá tomou um aspecto mais decente, como tinha perdido a cabeça espetei-lhe um prego de alto a baixo e ficou com um bico á maneira, com uma limadela dada à socapa nas aulas de trabalhos manuais o peão ficou quase pronto a bater-se com os outros, depois foi só espertar-lhe um monte de pioneses de forma a protege-lo dos ataques e prontos lá consegui uma prestação mais ou menos decente.

A noite já vai longa e por isso acabo por hoje esta estória, no entanto prometo contar outras aventuras não menos radicais como as descidas de carrasca na encosta do “picoto” ou as idas às “lages grandes”.

8.3.06

Ausente vs Presente


Pois é, tenho andado ausente... isto de se trabalhar em informática tem destas coisas, por um lado estamos constantemente “agarrados” ao computador mas nem sempre com disponibilidade para parar um pouco... nem que seja para escrever meia dúzia de linhas no blog! Além disso há outras coisas e pessoas não menos importantes, que por uma certa “obcessão” pelo trabalho, às vezes ficam para trás e não podem ficar.
Quando eu decidi ser programador de computadores, o coordenador do curso, ainda na fase de selecção, talvez a tentar “meter medo” na esperança de algumas desistências iniciais, até porque as vagas não chegavam para aquela malta toda, dizia-nos que para trabalhar profissionalmente nesta área era preciso uma grande capacidade de concentração e obrigava a uma actualização constante dos conhecimentos, a teoria não se esgotava nas aulas, era preciso estar atento às novidades e novos conceitos que todos os dias aparecem em todas as áreas mas sem dúvida que com maior incidência na informática. Tenho sentido isso na pele, estou nesta profissão desde 1993 e diga-se que muita coisa mudou desde essa altura.
Apesar de toda a tecnologia que invade todos os dias as nossas vidas, (felizmente) ainda não consegue substituir-se às pessoas, é também preciso pensar nelas, estar com elas, é por isso também que tenho estado algo ausente do blog, a Susana e a Maria precisaram que eu estivesse um pouco mais presente. Este texto escrevo-o porque sei que desse lado, quem lê estas estórias também tem a necessidade de saber que eu, apesar da ausência, estou presente e podem acreditar que há mais estórias na forja.

1.3.06

O Acácio

Texto de Pedro Aniceto (primo)

Esta é uma história de terror, fica desde já prevenido o leitor para que se não venha queixar posteriormente. É a história de um homem que aterrorizou centenas de inocentes crianças e nunca foi preso, nem sequer uma vez interrogado pelas autoridades a respeito desta matéria. Esta é a história de um homem que já morreu mas cuja terrível memória está profundamente vincada no subconsciente de miúdos e graúdos (mais nestes últimos, entre os quais me perfilo) e dessa fama se nunca livrará, assim eu a saiba escrever com rigor e sentimento, sendo que deste último, o sentimento caso já se tenha esquecido do que acabou de ler, jamais se desvanecerá da minha mente enquanto eu conseguir sentar-me a uma mesa para comer. Sei que não estou só, sei que um exército de vítimas deste homem se escondem nas sombras do que não querem lembrar de novo, alguns já homens feitos que não vacilam (nem a tal se atrevem!) perante um prato a transbordar de ervilhas ou de outros vegetais não menos repugnantes.

O Acácio era um negociante de adubos e demais fertlizantes. Personagem rural, de enormes botas de cano em borracha negra, era facílimo cruzarmo-mos com ele em qualquer ponto da freguesia. Trajava de acordo com as
necessidades da sua profissão, com uma enorme capa de lona pelas costas ou com uma saca de sarapilheira em capuz que o protegia da chuva quando era época da mesma. Acácio tinha um facies hirsuto, que só desbastava aos
Domingos, dia em que se aprumava para os ofícios religiosos, apesar de nunca o ter contado entre os seres tementes a Deus. Pouco importa. Ver a sombra de Acácio a descer a rua era o suficiente para me colocar ao fresco rapidamente, mesmo que a personagem estivesse ainda demasiado longe. Uns óculos grossíssimos ajudavam a compor o conjunto da sua cara, encimada por uma sempre eterna bóina negra. O Acácio (Senhor Acácio quando alguém lhe dirigia a palavra), estava longe de ser popular entre a criançada da aldeia e quando dirigia a palavra à miudagem, e só o podia fazer áqueles que, por uma razão qualquer se não tivessem conseguido escapulir a tempo, gerava autênticas crises de choro e ataques graves de ansiedade. Falo por mim e tenho a certeza de que por todos os outros...

Sendo comerciante de adubos, numa aldeia onde os automóveis ou meios de carga motorizados se contavam pelos dedos da mão de um lançador de foguetes que tivesse perdido o treino, Acácio estava constantemente a transportar enormes sacos de 50 Klgs. de adubo (Foskamónio, para verem como nunca o esqueci), ajoujado ao peso, subindo e descendo ladeiras, sempre com a sua capa ou sarapilheira. Fugir da presença do Acácio era bastante mais simples nessas alturas por razões que são agora óbvias. Acácio percorria atalhos que conhecia como a palma das suas mãos e a maioria dos meus percursos pedestres era calculado de forma a evitar-lhe as rotas ou os caminhos prováveis da próxima entrega de adubos.

Todo este medo me foi incutido pela Maria Fernanda e Maria de Lourdes, minha mãe e minha tia respectivamente, e servia de arma perante as minhas
relutâncias em engolir feijões, couves ou saladas. Não era uma ameaça qualquer, ambas estas queridas criaturas se serviam do mesmo tema quando havia problemas à mesa.

"Não comes isso e eu chamo o Senhor Acácio!" era, digamos, a bomba atómica dos problemas de nutrição. Garfadas de comeres menos apetitosos eram manejadas com destreza, gorgomilos abaixo, colheres de sopa menos eleita entre os deliciosos líquidos que faziam (e que ainda hoje fazem, Deus lhes dê anos e anos de panelas de ferro!) desapareciam pelo esófago, fosse qual fosse a temperatura do menu.

Éramos constantemente avisados dos perigos que corríamos ao não comer tudo até à última migalha. Lembro-me muito bem da Maria de Lourdes de colher em riste na mesa da casa do meu avô, me informar com um ar absurdamente sério dos graves riscos que corria...

"Tu sabes o que é o Senhor Acácio leva dentro daqueles sacos?" Não me lembro de lhe ter respondido, nem ela esperava resposta porque ainda agora a minha desgraça se iniciava. "Aqueles sacos grandes e pesados vão cheios de meninos que não querem comer!". Devo ter pedido mais detalhes sobre o destino dos bojudos sacos e ouvi-os em absoluto medo. "Ele leva os sacos para Tomar e quando chega à ponte da Praça - quem conhece Tomar sabe com pormenores do que estou a falar - , atira o saco ao rio e os meninos morrem afogados!". (Tenho esta conversa tão presente, e eu devia ter uns cinco anos, que me recordo de ter argumentado que os meninos se livrariam dos sacos, nadando para terra). "Ele cose os sacos! Ele cose os sacos!".

Escusado será dizer que risquei de imediato o Acácio da minha lista de contactos sociais. Sei que tentei verificar a história, com imensos cuidados, perguntando à Mabília, visita regular das lides agrícolas do meu avô se o Acácio era mesmo o transportador de meninos de que tinha ouvido falar.

Deve ter sido o primeiro complot que me moveram... Toda a aldeia usava o mesmo subterfúgio, uma espécie de conspiração do terror. "Uiii! Tu tem cuidado, Pedro, olha que se não comes elas chamam o Acácio". Não me dei por vencido, fui indagando entre amigos e conhecidos e cheguei a provocar uma crise de choro no meu compincha Carlitos que apesar da sua deficência mental me parecia mais lúcido que eu. Parecia ser mesmo verdade e o melhor era não desafiar quem me mandava comer. (Um dia vi o Acácio coser a boca de um enorme saco de adubo, sentado à porta da sua casa e aí devo ter finalmente consolidado a gravidade da situação!).
O Acácio morreu há alguns anos. Que descanse em paz. No dia em que me comunicaram a sua morte, o meu primeiro pensamento não foi para a sua memória, foi para um prato de favas, prato que abomino para lá de qualquer descrição ainda hoje e que a lembrança do Acácio não me conseguirá fazer engolir alguma vez...