Estórias de Ferreira

Chamo-me Rui Antunes, sou de Ferreira do Zêzere e gosto de estórias... reais ou imaginárias, estórias da vida, de sucessos ou insucessos, prometo partilhar as minhas, espero pelas vossas...

A minha foto
Nome:
Localização: Odivelas

11.4.06

Os Bonicos




Texto de CCarifas
Paio Mendes



Em tempos anteriores ao período de poluição que vivemos hoje, havia uma relação directa do homem com a natureza, de troca, sem agressões que molestassem uns e outros. A sobrevivência humana sempre se baseou na capacidade de descoberta de soluções para melhorar ou manter as suas condições para manutenção da vida. No mundo animal em que vivemos o engenho e a imaginação sempre foram vantagens acrescidas aos detentores de inteligência.

Pequenos passos foram dados ao longo de milhares de anos até se chegar ao presente estado de evolução, agora espartilhado em soluções mal concebidas, na sua relação com a natureza, que se transformaram em preocupações globais da humanidade.
Perguntar-me-ão. Afinal o que tem isto a ver com bonicos!


Antes do aparecimento dos adubos químicos e seus similares, que hoje infestam a natureza, o homem procurava já extrair da terra a sua semente multiplicada.

Em tempos longínquos, um lavrador semeou batatas no seu quintal. Reparou então que no local onde antes prendia o seu burro, as batatas eram maiores, melhores e em maior quantidade. Ao perguntar-se o porquê de tal circunstância, ficou com a suspeita que aquilo se deveria à mistura dos excrementos do burro com a terra. Engenhoso, partiu para a experiência na próxima sementeira, espalhando em todo o terreno os bonicos que entretanto juntara.
Eureca!!! Estava colhido o conhecimento para aumentar as suas produções.


A partir daqui criou-se o hábito da apanha dos bonicos, como fonte de energia orgânica, preciosa para a agricultura.

No meu tempo, nos anos 40 e 50 do século passado, ainda era vulgar ver crianças, depois do regresso da escola, irem de cesta no braço, a mando dos pais, percorrer os caminhos de passagem habitual de animais, para apanhar bonicos, que eram depositados em tulha, aguardando o tempo das sementeiras. Chegava a haver disputa dos “territórios” mais movimentados por bois, cavalos, mulas ou burros. Havia pais que criavam mesmo prémios de incentivo para as quantidades apanhadas. “Na próxima feira de Santa Iria compro-te um vestido de chita” ou, sendo rapaz, “quando passar cá o Espanhol, (contrabandista de roupas) compro-te uma Mitra (boina) ou um Realejo”.
Ccarifas

Paio Mendes

7.4.06

As Curvas de Alviobeira

Agora que já temos uma variante nova que tem como função evitar as “curvas de Alviobeira”, recordo aqui alguns dos episódios que aconteciam nos autocarros da Rodoviária Nacional, quando o apanhava nas Besteiras para ir às aulas a Tomar, onde fiz a secundária na Jácome Raton. As viagens de manhã eram sempre mais calmas, talvez pela hora a que tínhamos de apanhar o autocarro, por volta das 7:00, ainda de noite no inverno. Apanhava o autocarro, normalmente acompanhado pelo meu irmão Sérgio que na altura estudava também na mesma escola, era no autocarro que vinha da Sertã que iniciávamos a jornada até Tomar. A correria começava logo de manhã, o acordar às 6 e picos nem sempre era fácil, quando saíamos lá do fundo das Courelas por vezes conseguíamos ouvir o autocarro a passar no Cabeço do Boi, o que invariavelmente fazia com que o percurso até às Besteiras tivesse de ser feito sempre de passo bem acelerado... a correr para ser mais preciso.

Apanhado o autocarro, encontrávamos quase sempre o Samuel, que morava na Encharia e apanhava o autocarro ali para os lados dos Vales, na Bela Vista entrava mais uma rapaziada, o Vítor Dias, o Jorge Bacalhau, etc... em Águas Belas o Miguel Graça e por aí fora, lá íamos curva após curva, até Tomar.

Antigamente aqueles autocarros tinham dois funcionários, o condutor e o cobrador, o homem que olhava para os passes para ver se a vinheta estava lá, ou tirava os bilhetes quando não havia vinheta nem passe, era uma máquina que tinha uns carretos que eram rodados com mestria de forma a acertar a origem e o destino e depois um manipulo que empurrado vigorosamente com o polegar fazia aparecer o bilhete numa pequena ranhura.

Estas personagens da Rodoviária Nacional pareciam escolhidos a dedo, alguns dignos de pertencer a uma caderneta de cromos. Lembro-me de um baixinho que por norma fazia a carreira da hora do almoço, sempre com cara de quem já estava bem tratado, até porque era hábito uma paragem nas Besteiras para ir beber um copito de vez em quando, outra na Bela Vista porque normalmente ia um leitão à boleia até à Venda Nova, onde era entregue no café restaurante Stop... e prontos, outro copito que já passaram as curvas e quando chegávamos à entrada de Tomar, à Rua de Coimbra invariávelmente gritava lá dos últimos bancos : “Xenhoes paxajeiros exta é a ultima parajem antex da extaxão”.

No regresso, depois de uma jornada de aulas, voltávamos para apanhar o autocarro, normalmente faziamo-lo na estação, vínhamos quase sempre na camioneta das 19:00, que chegava às Besteiras por volta das 20:00, nesse percurso a animação era sempre mais que muita, juntávamo-nos nos bancos de trás e fazíamos de tudo, desde contar anedotas até cantar umas canções tipo :

“Badum badum, badum badum badero...
fui cagar ao cemitério,
lá por trás do arvoredo,
levantou-se um morto e disse,
tens um cu que mete medo....

E lá íamos nós para casa alegremente embalados pelos balanços das curvas Alviobeira !

5.4.06

Carros de Bois



Vou colocar uma cópia do comentário do meu irmão Ricardo feito recentemente no post do Acácio. Acho o tema interessante por isso abro aqui um novo post só para falar disto.

A foto é ilustrativa, não corresponde à junta de bois do Leandro mas se alguém tiver material desse que gostassse de ver publicado aqui, pode fazer-me chegar através do e-mail: ruiantunes@mailandnews.com e terei todo o gosto em colocá-lo on-line. A foto desconheço o nome do seu autor mas terá sido tirada em Rebordainhos, Bragança.


Em relação aos bois, era sempre uma festa cada vez que se preparavam as coisas para o dia de lavrar as terras. (hoje, olhando para aqueles pedaços minúsculos de terra, ainda me pergunto como era possivel caber a junta e o charrueque dentro de alguns tabuleiros...)

Lembro-me de uma curiosidade: quando se lavrava o tabuleiro de cima do tanque pequeno, era preciso levantar toda a calhe de cimento, que no final voltaria a ser recolocada... Mas mais altos esquemas de engenharia (que me escapavam completamente na altura, e que me pareciam sempre insondáveis mistérios) levavam a água do tanque da fonte até ao taque pequeno, sendo que o precioso líquido desaparecia através de um perfeito orifício na pedra.

Bom... depois havia as estórias (e aqui o termo é mais do que apropriado) dos dias de rega a partir desse tanque da fonte... José Sebastião, Maria dos Anjos, Mabília, José "Terramote" (este apelido também merecia uma estória), Joaquim do Olheiro, todos regavam a partir do tanque, e com regras draconianas. E ai de quem não as cumprisse...

Finalizo com uma daquelas que eu não sou capaz de afirmar se é verdade ou ficção. O Joaquim do olheiro a matar, a tiro de caçadeira, uma cobra (que suponho enorme, mas a relatividade é grande), que lhe "limpava" literalmente as colmeias.Pode ser que um dos meus irmãos se lembre...


CARRO DE BOI
Autor: Tonico

Meu véio carro de boi, pouco a pouco apodrecendo
Na chuva, sor e sereno, sozinho, aqui desprezado
Hoje ninguém mais se alembra que ocê abria picada
Abrindo novas estrada, formando vila e povoado

Meu véio carro de boi, trabaiaste tantos ano
O progresso comandando no transporte do sertão
Hoje é um traste véio, apodreceu no relento
No museu do esquecimento, na consciência do patrão

Meu véio carro de boi, a sua cantiga amarga
No peso bruto da carga, o seu cocão ringidor
Meu véio carro de boi, quantas coisa ocê retrata
A estrada a a verde mata,e o tempo do meu amor

Meu véio carro de boi, é o fim da estrada cumprida
Puxando a carga da vida, a mais pesada bagage
E abraçando o cabeçaio, o nome dos boi dizendo
O carreiro foi morrendo, chegou no fim da viage.

Encontrei este poema, de um autor brasileiro quando procurava estórias sobre carros de bois, o site de onde extraí este texto contém uma mão cheia de estórias, poemas, fotografias e inclusive, toda a informação que permite construir ou recuperar um carro de bois, vale a pena dar uma espreitadela :

3.4.06

A Mi Zé

Este Domingo à tarde passei em Ferreira para fazer umas coisas, entre elas ir à farmácia, contornei o jardim e deixei a Susana em frente à porta, olhei lá para dentro e como só vi duas pessoas achei que seria rápido e fiquei no carro com a Maria que entretanto tinha adormecido, o que depois de tanta correria e brincadeira em casa do avô Mário e da avó Lurdes era perfeitamente natural.!

Lá estava eu, numa tarde de domingo com um sol agradável, quase a lembrar a primavera que teima em não chegar, a “picar” umas estações de rádio, a ouvir um bocadinho ali outro bocadinho acolá, na realidade estava a fazer tempo.!

Comecei a achar que 10 minutos já teriam dado para trazer o bendito medicamento, olhei para o banco de trás e a pequena continuava serenamente a dormir então decidi ir ver o que se passava. Fechei o carro e entrei na farmácia, lá dentro estavam as mesmas duas pessoas que eu vira quando deixei a Susana, atrás do balcão não estava ninguém... estranho!

Perguntei o que se passava e ninguém sabia, a verdade é que não era muito normal aquela situação foi quando ouvi lá dentro o João a falar, pela conversa estava ao telefone, esperámos.

Passado mais algum tempo o João vem lá de dentro, com umas caixas de medicamentos numa mão e com a outra a segurar o telefone sem fios e lá ia ouvindo e respondendo com umas frases tipo “sim sim, eu compreendo”, “é preciso calma” e quando parecia que o telefone ia desligar lá voltava tudo de novo, começámos todos a ficar intrigados, quem seria ? o que estariam a falar ? mas a verdade é que não dava para perceber.
O João lá ia continuando ora a tentar aviar a receita, ora a tomar atenção à conversa, foi nessa altura que ele disse “sim eu comprendo, Mi Zé !” e nesse momento todos quantos estavam na Farmácia Soeiro deram uma valente gargalhada e compreenderam de imediato as dificuldades do João em terminar o telefonema.

A Mi Zé ou Maria José Folque é uma figura singular de Ferreira do Zêzere, cruzei-me com ela vezes sem conta ora nas ruas da vila, ora na Fritelma do Sr. Valdemar onde trabalhei em part-time há uns valentes anos atrás. Sempre arranjada, algo excêntrica, era capaz de meter conversa com qualquer pessoa e nem valia a pena dizer-mos que estava-mos com pressa porque as estórias sucediam-se.

Aconteceu algumas vezes estar a tomar café na “bifana” com a Ana do Carmo, a Carla Pinto e outra malta da rádio quando aparecia a Mi Zé, a Ana, talvez por ser cliente habitual da casa era sempre a “vitima” (no bom sentido), mas quando conseguia-mos por fim ir embora quer uma quer outra ficavam satisfeitas porque a Mi Zé tinha conseguido uma ouvinte que a deixasse desabafar e a Ana tinha feito a boa acção de a tentar compreender.