Estórias de Ferreira

Chamo-me Rui Antunes, sou de Ferreira do Zêzere e gosto de estórias... reais ou imaginárias, estórias da vida, de sucessos ou insucessos, prometo partilhar as minhas, espero pelas vossas...

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Localização: Odivelas

26.9.06

HHV3 (human herpes virus 3)


Confesso que por vezes tenho alguma falta de sensibilidade para entender os problemas dos outros, talvez por achar que são situações “normais”, acabo por não lhes dar a devida importância, por outro lado a minha cara metade às vezes exagera um bocadinho na preocupação, sobretudo quando a questão tem a ver com a filhota, o que invariavelmente faz com que a minha reacção seja : “- não te preocupes, isso é normal, todas as crianças têm isso” o que sendo para mim uma forma de por alguma água na fervura, nem sempre produz o efeito desejado.

Quem tem filhos pequenos deve saber que é normal aparecer uma febrita, um nariz ranhosito, etc... claro que devemos preocuparmo-nos mas a verdade é que estas são situações normais, acabam sempre por acontecer por mais cuidado que se tenha, sobretudo se eles estão no infantário.
O bom destas situações é que o tratamento é geralmente simples, basta ter á mão o be-nu-ron e o brufene para controlar a febre, o aspirador para o nariz e uma boa dose de paciência.
Ora nestas coisas de doenças infantis há uma que eu acho normalissima, que todos geralmente apanham e que bastam alguns dias de quarentena (para não andar por aí a espalhar o vírus) para resolver a questão, estou a referir-me à Varicela. Há até quem lhe chame doença de putos.

Se bem que é normal aparecer a doença nas crianças, eu deveria ter achado anormal quando lá em casa apareceu na maior e não na mais pequena como seria suposto, mas como ela nunca tinha tido acabei por não dar muita importância à coisa, porque supostamente era uma situação que ficaria resolvida com uns dias de quarentena até as borbulhas desaparecerem.

O facto é que as borbulhas ainda não desapareceram, tem até algumas na boca e na garganta e o médico achou melhor fazer um antibiótico, a verdade é que eu não estava a dar a importância devida ao problema e não sabia que nos adultos a varicela é uma doença perigosa, pode provocar inclusive pneumonia.Agora só espero que o problema se resolva rapidamente, que as borbulhas sequem depressa e que tudo volte à normalidade, porque posso estar enganado mas parece-me que a filhota também não se vai safar e apesar de na idade dela ser menos grave também vai precisar de assistência.

21.9.06

Estado Depressivo


Pois é, parece que o verão foi-se... hoje a chuva voltou, agora com o nome pomposo de tempestade tropical "Gordon", que era até ontem um furacão mas logo que percebeu que os Açores já era território Português tratou imediatamente de se transformar em depressão. Afinal parece que estamos condenados a ser o tal povo que vive uma depressão colectiva a que nem um furacão resiste!
Já agora aproveito para agradecer aos senhores do Metro por terem escolhido tão bela manhã para fazerem a sua luta (que deverá ter os seus motivos) e por terem feito com que eu (me) passasse mais uma hora no trânsito, chegasse atrasado ao colégio da minha filha e por fim ao meu local de trabalho!
Obrigado Pedro Ribeiro e restante equipa da Rádio Comercial por conseguirem manter tão boa disposição, afinal a desgraça seria bem maior se não fossem vocês :)

19.9.06

Parabens Patricia

A Princesa da Festa... e o bolo !

Gabi e Maria a "atacar"

O Rafael... o "homem" da familia

A "gatinha" Carolina

A Artista!

18.9.06

O Sapateiro

foto ilustrativa, autoria Manuela Rodrigues : http://www.olhares.com/o_sapateiro/foto659532.html

Não há muitos dias atrás, quando estava a arrumar uns dos meus pares de sapatos, na prateleira de uma pequena estante, que cumpre a função de sapateira lá em casa, olhei para a sola gasta e para uns fios soltos, cortados pelo desgaste e pensei para os meus botões : "- tenho de por estes num saco para levar ao sapateiro".

Como diz o meu chefe os seres humanos são animais de hábitos e eu não fujo à regra, assim como o barbeiro a quem eu recorro sempre que preciso do cabelo cortado e invariavelmente è àquele barbeiro, também no que toca a meias-solas, para mim apenas existia uma única pessoa no mundo a quem eu confiava os calcantes, ao Sr. Joaquim Guilhermino.

A pequena oficina do Sr. Joaquim era num dos caminhos que eu percorria quando ia para a escola primária de Paio Mendes, ali atrás de uma pequena janela, lá estava o artifice às voltas com o couro e a borracha. Algo fascinante para nós miudos que não passávamos sem dar uma espreitadela à bancada e ao chão, cheios de pequenos desperdicios das peças que eram preparadas e atrás uma estante com montes de formas que serviriam para moldar o calçado feito por medida, quer para o mais chaparrudo pé quer para o fino pé de uma donzela.

Mas acho que o que mais fascinava era o cheiro intenso da graxa, das colas, do couro, era mágico!

Com o passar dos anos, quando comecei "a calçar do meu sapateiro", continuou a ser ao Sr. Joaquim Guilhermino a quem recorria sempre que precisava de remediar os sapatos, que normalmente apresentavam ainda bom aspecto por cima mas as solas não aguentavam e lá iam parar à oficina, dentro de um saco de plástico, que ele pendurava ao lado de mais meia-duzia deles que aguardavam a sua vez para irem parar às mãos do mestre.

Foi com preplexidade que ouvi a noticia de que o Sr. Joaquim Guilhermino tinha falecido, a minha primeira lembrança foi para a sua pacata oficina, feita com aqueles pequenos tijolos que lhe davam um ar frágil, para a janela que agora não tem ninguém por trás, para os sacos pendurados, para as vezes que a porta estava fechada e eu dava a volta por trás com cuidado para evitar o pequeno canídeo e chamava :

- Sr. Joaquim, Sr. Joaquim, é o Rui do Olheiro, tenho aqui uns sapatos para arranjar...

- Deixa-os lá pendurados no prego da porta que eu já lá vou.

15.9.06

Feijão com Todos

Se é um amante da criatividade gastronómica, isto é para si. Se prefere a cozinha tradicional portuguesa, também. A 4ª edição da mostra gastronómica “Todos com o feijão… O feijão com todos” vai decorrer, nos restaurantes aderentes do concelho de Tomar, durante todo o mês de Outubro. E é para todos porque este evento, que tem o feijão como personagem principal, dá total liberdade aos cozinheiros, que apresentam uma panóplia de pratos que vão desde as mais tradicionais feijoadas a requintadas e inesperadas invenções.

Organizada pelos Serviços Municipais de Feiras, esta iniciativa é coordenada, como vem sendo hábito, por Bento Baptista, integrando-se no ciclo gastronómico anual que inclui também a Mostra da Lampreia, em Fevereiro/Março, e o Congresso da Sopa, em Maio.

A organização espera a presença de um número de restaurantes próximo do ano passado, ou seja, aproximadamente quatro dezenas.

A mostra decorre nos próprios restaurantes que garantem o feijão nas ementas pelo menos nos fins-de-semana, no feriado 5 de Outubro e no dia de Santa Iria, 20 de Outubro. As ementas são variadas, indo das sopas e entradas aos pratos principais, sem esquecer deliciosas sobremesas.

“Todos com o feijão... o feijão com todos” decorre em simultâneo com duas importantes actividades: a tradicional Feira de Santa Iria, de 13 a 22 de Outubro, e o Tomar Jazz – Encontros, de 6 a 27 de Outubro, excelentes razões para vir a Tomar provar a excelência da gastronomia local e aproveitar a arte de bem receber dos tomarenses.

in www.ferreiradigital.com

Banda da PSP na Frazoeira


A Banda Filarmónica Frazoeirense vai comemorar o dia mundial da música e para o evento vai contar com a participação de uma das mais prestigiadas bandas militares nacionais, a Banda Sinfónica da PSP.
No dia 1 de Outubro pelas 17:00 aproveite a oportunidade e assista a este magnifico concerto no salão de festas desta associação na Frazoeira.

5.9.06

Erro inqualificável!


A Catarina Godinho, uma atleta ferreirense que se conseguiu qualificar para o campeonato do mundo de Juniores e que foi a Pequim participar nos 10.000 metros marcha, viu a sua participação comprometida por um erro de um juiz de prova. São os tais erros que não podem acontecer!





COMUNICADO À IMPRENSA

Tendo verificado que, desde o dia de ontem, vários “sites” com notícias desportivas, assim como a imprensa escrita de hoje, noticiam a participação da nossa atleta no Campeonato do Mundo de Juniores com o título “CATARINA GODINHO DESISTE NA FINAL DOS 10 MIL METROS MARCHA”, vem o Clube de Atletismo de Ferreira do Zêzere esclarecer o seguinte:

De facto, o comunicado oficial dos resultados da prova de 10.000 metros Marcha, disponível na página da Internet do 11.º Campeonato do Mundo de Juniores da IAAF, aparece com a indicação de que Catarina Godinho não terá terminado a prova, aparecendo à frente do nome da atleta a indicação “DNF” (Did Not Finish). Porém, na realidade, a atleta foi vítima de um erro inqualificável de um Juiz que a mandou parar quando ainda faltavam 400 metros para completar as 25 voltas à pista.

Induzida no erro do Juiz e sem qualquer informação proveniente dos responsáveis da delegação portuguesa, que se limitaram a assistir à prova na bancada não controlando as voltas da atleta nacional, Catarina Godinho respeitou a ordem do Juiz convencida que tinha terminado a sua prova. Não esperando pela divulgação dos resultados oficiais, feita cerca de duas horas após o final da prova, a comitiva portuguesa abandonou o Estádio sem ter conhecimento do resultado de Catarina Godinho, descurando assim qualquer possibilidade de engano que pudesse prejudicar a atleta portuguesa. Quando os resultados oficiais foram divulgados, já não se encontrava ninguém responsável pela comitiva portuguesa no Estádio para que, após verificar o erro, apresentasse um protesto durante os 30 minutos seguintes, tal como prevê o regulamento.

Catarina Godinho apenas se apercebeu do sucedido quando, algumas horas após a sua prova entrou em contacto com a sua mãe e esta lhe perguntou porquê que havia desistido, que era a informação que o seu Treinador, que ficou em Portugal, tinha conseguido obter através da Internet. A atleta do Clube de Atletismo de Ferreira do Zêzere, apanhada de surpresa, não queria acreditar naquilo que lhe transmitiam, garantindo que não havia desistido.

Um erro inacreditável por parte de um Juiz numa competição tão importante, como é o caso deste Campeonato do Mundo de Juniores, e uma atitude intolerável por parte dos responsáveis pela comitiva portuguesa, resultaram numa injustiça tremenda para uma atleta de apenas 17 anos (ainda Juvenil) e que, esperamos, não venha a ter efeitos negativos na sua carreira no futuro.

Temos consciência que todos aqueles que noticiaram a desistência da nossa atleta o fizeram baseados naquilo que observaram nos resultados oficiais disponíveis na Internet mas, neste caso, não corresponde à verdade. Sabemos que o que vai ficar para a história é uma desistência de Catarina Godinho no Campeonato do Mundo de Juniores em Pequim – 2006, mas é importante que se saiba que essa “desistência” nunca aconteceu. E isso é importante que seja do conhecimento geral.

Com os melhores cumprimentos. Pela Direcção do CAFZ,

O Presidente,

Aires Ferreira da Graça

4.9.06

José Luiz Farinha


O texto publicado no post anterior é da autoria do escritor José Luiz Farinha, um homem que divide o seu coração entre Portugal e Brasil e cujos textos são de uma delicia extraordinária, aconselho vivamente uma visita ao seu blog "Aparas de Escrita" a morar em http://jlfarinha.blogspot.com.

Partilho os e-mails que troquei à dias com José Luiz Farinha :

Boa noite, Rui Antunes.
Antes de mais, obrigado pelas suas palavras e pelo seu interesse.
Visitei Dornes de uma ponta a outra, incluindo, pois, a igreja matriz, de que tenho fotos, e algumas casas brazonadas (infelizmente apenas a fachada).
Claro que será um prazer facultar-lhe esse texto

....
Visitei o seu blog e achei muito interessante.
Neste momento vivo no Brasil. Se for a Portugal, talvez para o ano, não me esquecerei de o contactar para um encontro, em Ferreira, que a minha família, brasileira, não conhece.
Um abraço e até sempre.
José Luiz Farinha


Fico desde já a aguardar esse encontro :)

Dornes por José Luiz Farinha


Casamentos à sombra de uma igreja milenar, à sombra das folhas que arrulham quando vêm passar um casamento, pensando sabe-se lá o quê...

Buzinas festivas em cortejo.
- Outro?... Fazem bicha...

- Então... Hoje eram três...

- Em tua casa vai também haver um, qualquer dia.

- Pois vai. Mas ele ainda tem de ir lá pedi-la ao meu pai. É assim... à antiga portuguesa.

- Eu também gosto assim. Mas o meu homem é mais moderno e não liga a essas coisas...

As três mulheres que entabulam esta conversa estão sentadas perto da minha mesa. A que tem o homem "mais moderno" deve estar a meio dos quarenta. Outra é uma adolescente. A terceira irradia uma inquietação de fogo espicaçado pelo calor de Julho; usa uma saia até aos pés e só se dá pelo rasgo no pano, quase de alto a baixo, porque sabe usá-lo de um modo natural e simples, talvez por isso atraente, na forma como traça e expõe uma perna bonita, branca e lisa, macia, onde as mãos de um modelador podem prolongar-se pelos olhos, devagar, nas curvas suaves.

As três mulheres levantam-se e eu passo a ser dono e senhor deste espaço que me abriga do sol por um telheiro aberto em balcão sobre a água a uns cinquenta metros lá em baixo.

Tenho uma vista panorâmica da barragem de Ferreira do Zêzere, emoldurada por floresta ainda impoluta. De um ponto da margem que um erro de perspectiva transforma em círculo, penetra na água um pontão estreito. Aí recebem albergue meia dúzia de canoas cor de terra, três pequenos barcos de recreio, de fibra plástica, e o "Maria Odete", embarcação um pouco maior para passeios na albufeira. O piloto está sentado ao leme, num uniforme branco, lavado e passado a ferro de fresco, a contrastar com a cor e os vincos do rosto curtido como o de um velho lobo do mar. Mas não é para o mar que ele olha, se mar fosse o espelho líquido que quase não reflecte o tremeluzir da brisa. Ele olha para o caminho de cascalho batido pelo rodado dos jeeps que rebocam motas de água, esses trastes modernos que vieram estragar-lhe o gosto do passeio e o sossego do sítio. Olha para o caminho que desce até ao molhe. O negócio não chega. É Sábado, o tempo está de maré, mas não há candidatos à viagem.

Nesta esplanada rústica, autêntica, servem-me uma salada de atum em travessa que dá para três ou quatro como eu. Ataco-a a medo, horrorizado com o tamanho e já meio nutrido com um saboroso queijo de cabra das redondezas.

À porta da casa que é habitação e, ao mesmo tempo, café e restaurantezinho caseiro, uma fatia gorda de azulejos diz que se chama "Casa da Inveja". O segredo deste baptismo vem de além de três gerações. A única origem conhecida hoje fala de uma quinta chamada da Inveja, submersa aquando da construção da barragem. Subida a casa por via das águas, o proprietário, que era o da quinta também, salvou-lhe o nome da enxurrada. Para além do nome, desenhado a azul vidrado sobre o leitoso da cal, um desejo: "que Nossa Senhora do Pranto proteja para sempre a Casa da Inveja".

Visitei a aldeia onde, apesar da conservação de um traçado rural genuíno, o alumínio vai corroendo a velhice serena como moléstia resistente ao bom gosto.

Dornes, a aldeia, santuário de Nª Sª do Pranto, cheira a cantigas de amigo de D. Dinis. As gentes de cá assim a inscrevem nos tempos, embora com a convicção desinteressada de ouvir dizer que se diz. Há testemunhos medievos, uns autênticos, outros redesenhados nos sulcos difusos da tradição.

Ao trepar as ruas curtas e íngremes é possível ver, em fachadas, em adornos, numa chaminé e no calcetado duma escadaria, a cruz de Cristo ao lado da cruz dos Templários. Um painel de azulejos reporta a Senhora do Pranto a mil trezentos e qualquer coisa, representando-a como uma pietà, réplica da escultura de madeira pintada que referencia a capela do sacrário da igreja matriz. Dou por mim a comparar a beleza desta, de madeira, com a da outra, a italiana, de mármore, e verifico que consigo comparar porque há beleza em ambas. Nem a uma nem a outra chamaria pietà. Senhora do Pranto, sim. Parece-me mais apropriado.

A igreja é grande para o tamanho da povoação. Como muitas construções deste tipo, passou por várias épocas em que os estilos então dominantes deixaram a assinatura. Numa colina, destaca-se das casas envolventes mas mantém com elas uma cumplicidade na singeleza do traçado. Junto ao portal da entrada mostra uma pequena lápide com um texto medieval. O interior é amplo. O tecto de madeira ostenta um brasão de nobreza antiga, aparentemente restaurado de fresco. Logo a seguir à capela da pia baptismal, de paredes forradas a azulejo de gosto duvidoso, a fazer lembrar os de algumas cozinhas, sobressai, a meia altura, um pequeno órgão de tubos. O púlpito parece ser a peça mais antiga; mantém o relevo da pedra intacto mas só raras escamas permitem adivinhar o colorido que lhe deu vida. No altar-mor ressalta a talha dourada e as paredes estão forradas de azulejos do sec. XVII. Parte do corredor central da nave é de lajes, algumas com inscrições do sec. XIV.

Um pequeno órgão de cinema, talvez o mesmo que anima as festas laicas da paróquia, entoa uma marcha nupcial.

Os noivos são beijados, abraçados, filmados e fotografados. Reparo agora bem neles. Por favor, nunca mais me digam que toda a noiva é bonita. Digam, apenas, que é noiva... e deixem-me pensar o que sentir...

O coro está decorado com grandes faixas brancas. Os extremos dos bancos sustentam laçarotes cor de pureza, de plástico (os laçarotes, a pureza não sei), daqueles que as floristas usam para rematar os ramos.

Deixo o templo. De um dos flancos eleva-se uma antiga torre (sec. XI-XII), pentágono irregular, outrora torre de vigia, hoje transformada em torre sineira.

O repicar alegre dos cinco ou seis sinos anuncia outro casamento. É assim. Uns atrás dos outros, em bicha, como na caixa de um hipermercado onde se vai comprar a felicidade para sempre. Afinal foram sete. Melhor dia para o padre do que para o marinheiro...

Os automóveis amontoam-se e atravancam as ruas, já de si estreitas. Todos estão embandeirados com o já habitual pedaço de tule branco. Os dos noivos, geralmente Mercedes, são decorados mais profusamente, com fitas e flores por dentro e por fora. Um deles é traçado por barras com andorinhas e votos de felicidades para os noivos, em francês... Noutros, o conjunto de enfeites é tão dúbio que, junto da igreja, não se sabe se são carros de noivos ou carros funerários.

Só às três da tarde se ouvem outra vez os pássaros e o restolhar de perdizes e répteis nos arbustos, quando a última caravana deixa a aldeia e regressa a paz interrompida.

Faço-me ao rumo do meu destino. Tenho pela frente oito quilómetros de estrada de montanha, sempre a subir. O sol cavalga as sombras quase a pino e o calor que desfaz o alcatrão é o mesmo que nos derrete. Nos derrete, não: me derrete; o caminho em ziguezague constante não me traz vivalma. Por companhia visível só floresta e mato, dum e doutro lado da rota. Por vezes, alguns cumes distantes conseguem espreitar-me por entre a polifonia do verde da folhagem. Palmilho ao compasso do bastão que cortei com a navalha de campo antes de iniciar a subida. A mochila da água sobre o peito equilibra a das costas, pequena e leve, para explorações curtas, onde já seguem alguns ramos bons para entalhe e algumas aparas de rocha de brilho estranho, dourado, para identificar.

Todo o corpo, bio e psico, está mobilizado para o esforço. Sinto-o. Basta pensar num órgão, num pedaço de pele, numa réstia de ideia para saber exactamente como estão a contribuir. As pernas rangem de tanto esticar as fibras dos músculos. Rangem e doem; mas pedem que não pare, que não pare, que não pare ainda, nunca a meio da subida, só depois.

O hálito da tarde tem cheiro de fornalha; ouço o calor estilhaçar troncos secos de há muitas gerações. Os meus pés absorvem a vibração tranquila da sesta da terra; revigoram e animam-se, tão sôfregos de marcha que me parece terem-se desligado de mim e eu deslizar em algodão de nuvens. Mas o meu peito é uma imensa caldeira com os cilindros dos pulmões a trabalhar ao máximo e o vapor a expandir-se com apito de locomotiva pelas narinas dilatadas. O conta rotações nos pulsos parece querer saltar e o coração, ao ritmo de bigorna incandescente, a explodir, abre auto-estradas de vida no que são simples veredas de tecido frágil. Tenho a pele liquefeita, toda ela coberta de ondas que refrigeram e vão limpando a poeira trazida pelo calor. Da testa escorrem cascatas que me queimam os olhos e se escapam como lágrimas pela cara. Provo o meu gosto. Sabe-me a mar.

Neste momento sou mar. E sou fogo, e ar, e terra, e tudo o que há acima e abaixo dela. A Natureza envolve-me e, nesse abraço de amante apaixonada, dissolve-me em si, esvai-me, transforma-me e devolve-me à Vida em sintonia comigo. Subo, subo sempre. A estrada, sem sombra a bordejar, não promete descanso. Oiço o silêncio que me observa, espantado. Então saio de mim e venho ver-me.

Sou um ponto, um pulsar do universo num espaço sem dimensões em que o tempo não existe. O meu movimento é o do próprio universo. A minha idade é a do próprio universo. Trago uma máscara talhada a fogo em pedra, retesada do esforço para chegar lá acima, mas o disfarce de dor é um retrato de luta e de vitória. Olho-me por dentro à procura de mim. A angústia é uma recordação longínqua e esbatida como os traços da vazante vistos do alto da falésia.

Sou um buraco negro, algures, algures onde as coordenadas são indefinidas e permanecem apenas até outra alvorada. Absorvo a luz que me rodeia e retenho a memória do que passa ao meu alcance. Nada sai de mim até ter fundido a luz e a memória num núcleo compacto de novas qualidades; depois, a instabilidade desse corpo estranho faz explodir o invólucro incapaz de o conter e espalha estrelas cadentes que vão povoar o espaço sideral. De uma delas nascerá outro buraco negro.

Da cratera escura, desenhada a lápis de diversos matizes, emergem teias de silvas que me conduzem o olhar a uma casa abandonada, ainda bela, apesar da ruína. Avisto as primeiras habitações da aldeia. O sol no branco limpo destaca-as das sombras espreguiçadas por canteiros e pedaços de rua. O terreno agora é plano, acabou a subida, cheguei ao cimo. O esforço desfez-se numa pasta de cansaço que vai fluindo e pesando no corpo como metal derretido.

Da porta de um café, através das fitas pendentes que guardam a sua intimidade, um homem e uma mulher falam das vidas que passam, daquilo que ainda não sabem um do outro desde ontem, enquanto a televisão anuncia qualquer novo produto que não lhes desvia o rumo do assunto. Cheira a lavado recente. Há manchas frescas de fundo de balde à volta do portal e, encostada à ombreira, uma esfregona seca.

Sigo sem ver gente e chego ao centro deserto do povoado. Cai no largo uma musiquinha de cassete de feira, com langor de ciúmes duma outra mas, porque a porta se fecha outra vez, fico sem saber como surgiu ela, assim, a estragar a vida daquele lar; de debaixo de um alpendre de flores amarelas, abertas à luz, vejo sair um par de namorados. Apresso-me e consigo alcançá-los.

- Como se chama esta terra?

- Chama-se Bêco.

Sem saída, porque é o meu destino, sento-me no chão a descansar à sombra do coreto.