Estórias de Ferreira

Chamo-me Rui Antunes, sou de Ferreira do Zêzere e gosto de estórias... reais ou imaginárias, estórias da vida, de sucessos ou insucessos, prometo partilhar as minhas, espero pelas vossas...

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22.6.06

A Carta

Texto de Carlos Carifas

Tempos houve, antes do aparecimento do telefone e do telemóvel, que a comunicação entre as pessoas deslocadas, familiares e outros, se fazia apenas por carta, hábito quase extinto que desabituou as pessoas de exercer o saudável hábito da escrita como forma de comunicação entre si. Nesse tempo, em que ainda não havia carteiros porta a porta, o hábito de receber correio era um cerimonial de expectativa que culminava, nas frequentes vezes que nos deslocávamos à Loja, posto de recepção e distribuição da mala do correio, que era transportada na camioneta da carreira de Lisboa, com a pergunta ao caixeiro, antes de tudo: - Há correio para mim?. Enquanto ele abria a gaveta e rebuscava no correio recebido, ficávamos ansiosos tal como o jogador de rifas que espera ter um prémio.

Em cada casa, a leitura de uma carta era um ritual de concentração de toda a família, lida em voz alta pelo elemento da família que soubesse ou melhor soubesse ler e escutado pelos restantes num silêncio respeitoso, quantas vezes com uma lágrima a soltar-se. Muitas vezes a leitura era repetida para melhor se perceberem as mensagens que trazia.

Nas casas onde não havia quem soubesse ler, repetia-se o convite ao habitual escrivão, geralmente uma criança, agora para a leitura, que compartilhava os dramas ou as alegrias que a carta transportava.

A carta era o mensageiro indesmentível das boas e das más notícias na forma de documento escrito, elaborada de forma pensada e cuidada, de modo a transmitir factos e sentimentos vividos.

Estas tinham geralmente um formato peculiar, quase estandardizado, sobretudo na abertura e no fecho que, a quem como eu, fez algumas vezes de escrivão, não precisava ser ditado. Fui muitas vezes convidado a escrever cartas por pessoas que, sendo analfabetas, me gratificavam por este trabalho. Sentia-me como o operador do código morse que envia mensagens secretas, sujeito a completo sigilo.

O seu formato tinha habitualmente a seguinte configuração:


“Meu Querido Filho

Muito estimo que ao receberes esta minha carta te encontres de perfeita e feliz saúde, que nós por cá todos bem, graças a Deus.
Tem esta o fim de te agradecer a última amável carta que recebemos, portadora de boas notícias, que muito nos alegrou.
Por aqui tudo continua na mesma, com o muito trabalho e canseira que as sementeiras nos têm dado. Se o Borda-de-Água não faltar ao previsto vamos ter uma boa colheita
Saberás que no verão quando cá vieres para as férias, como prometido, virás encontrar a apanha do milho que é preciso descamisar e debulhar. Quanto mais braços tivermos melhor se termina a faina.
O pai, coitado, farta-se de trabalhar. Depois de terminar o tempo dos lagares, anda a trabalhar, de sol a sol, nas podas e nas alimpas, porque brevemente irá trabalhar para o forno quando começar a aquecer. Tem ficado alguns dias em casa para tratar das nossas, porque eu e as tuas irmãs não damos conta de tudo.
A nossa porca pariu oito bácoros que já estão em acção de vender. As chibas este ano deram três cabritos que já vendemos ao Tensa e têm dado bom leite para fazermos os queijos, que tu tanto gostas.
Cá recebemos o teu cabaz com as mercearias e o cartucho de café que tem melhor paladar que o que trazemos da loja.
Brevemente vou às Besteiras despachá-lo com alguma fruta, que já está madura. Quero ver se te mando também um galo para fazeres uma sopa e uns queijos secos para matares saudades.
Já andam por aí os prospectos da festa de Paio Mendes. As tuas irmãs andam a fazer peditório de prendas para a quermesse.
Sem mais, recebe saudades do teu pai e das tuas irmãs e um beijo desta que te quer bem.”
CCARIFAS

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

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quarta-feira, abril 25, 2007 12:27:00 da manhã  

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