Estórias de Ferreira

Chamo-me Rui Antunes, sou de Ferreira do Zêzere e gosto de estórias... reais ou imaginárias, estórias da vida, de sucessos ou insucessos, prometo partilhar as minhas, espero pelas vossas...

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22.2.06

A sombra



texto de Pedro Aniceto (primo)
http://caoepulgas.blogspot.com





Aprendi com o meu avô, que aprendeu com o avô dele, que por sua vez terá aprendido com dezenas de outros avôs pela escadaria do tempo acima. Das muitas coisas que, voluntária ou involuntariamente me ensinou é a de que os animais se enterravam em locais com sombra. Nunca mo disse, nunca lho perguntei, mas foi sempre assim... Não me perguntem a razão da sombra que não sei explicar, nem me lembro quase da primeira vez ou das vezes dos múltiplos desgostos pela morte mais ou menos natural dos meus animais de estimação ou de outros que não de estimação, mas que eram uma mais valia para a economia familiar de então. O último funeral à sombra foi o de um coelho-anão, um simpático bicharoco por quem eu não nutria uma simpatia por aí além e que, ou muito me engano era recíproca dada a sua predilecção por pernas de cadeira, coisa com que eu, muito engalinhava.
Narrava eu que, munido da necessária enxada me decidi abrir-lhe um túmulo debaixo de uma figueira nas traseiras da casa e, se bem o pensei, melhor o fiz (fora o pormenor do cabo da enxada se ter desencavado, mas isso é para outra história...) à sombra como manda a tradição e lá ficou o bicho para o pó dos tempos (do pó vieste ao pó regressarás, isto devia ser uma máxima inscrita num portão do Casal Ventoso) mas não, é apenas uma figura de estilo que obrigatoriamente empurrará as vossas entradas no Diário também elas para o pó dos tempos, socorro, dêem-lhe um ponto final ou o homem morre já aqui, que nem está sol nem nada e toda a gente sabe que títulos como Morte ao Sol estão reservados ao Sergio Leone. Lá ficou. Ponto. Tudo isto para pegar de novo no fio da história e ter percebido no Domingo ao lusco fusco um outro enterro se fazia debaixo da mesmíssima figueira. Aproximei-me a pretexto de segurar o cão que farejava com afã (fosga-se que esta demorou a encontrar...) a caixa do animal defunto e a dona que entre soluços lhe cavava a última morada. A dona do animal estava acompanhada por um miúdo, quem sabe se cúmplice de patifarias a gatos. O miúdo chorava também, quem sabe se um iniciado na arte das dores do desgosto animal. Há que respeitar a dor dos outros, seja a perda grande ou pequena, animal de quatro ou de duas patas e num rapidíssimo diálogo apreendi que o defunto era um gato e que o desfecho tinha sido rápido devido à violência do embate. Duas badaladas e um balde de cal, metáfora estúpida, trata-se de um gato, nada mais do que isso, não era Persa, não era sequer o Xá. Morreu enterre-se. "O senhor sabe, por acaso, de que lado dá o sol nesta figueira?". Cumpre-se o eterno saber das coisas não aprendidas e saí de cena com um sorriso nos lábios, a lembrar-me de outros tempos, outros avós, os mesmíssimos saberes. O puto, esse
continuou a chorar e a jogar Pro Soccer no GameBoy...